A Igreja que se esqueceu dos pobres


A miséria e a fome sempre estiveram presentes na vida de muita gente em nosso país, principalmente nas regiões do Nordeste e Norte. Muitos já morreram de fome, gente que não tinha o que comer, desprezados, vítimas de um sistema injusto e opresor, onde os desumanizados encontram seu lugar de destaque, motivo de satisfação para os amantes do dinheiro, que acumulam fortunas em detrimento da miséria e fome de milhões. 
Em uma manhã de Domingo me debrucei para ouvir com profunda atenção um pouco da história de dona Raimunda. Mulher pobre, nordestina, negra e de origem indígena. Mulher de coragem, que na sua adolescência enfretou a fome, juntamente com seus irmãos e irmãs em um pequeno povoado, próximo a grande Natal-RN. 

Raimunda foi guia de seu avô, que era cego, que sem aposentadoria vivia uma vida miserável. Juntos pediam esmolas nas casas, mercearias e fazendas da região. Algumas pessoas lhes davam uma xícara de milho, arroz ou feijão. Nas mercearias lhes davam couro de cação, na fazenda de dona Rita, quando muito recebiam soro de leite, que sobrava da fabricação de queijos.O soro era alimento para engordar gado e porcos. 

Raimunda me contou que quando trazia soro de leite para casa, seus irmãos e irmãs ficavam felizes. Faziam uma verdadeira festa com a farofa de soro, farinha de mandioca e sal. Raramente tinha carne, queijo ou até mesmo a qualhada, pois aos pobres que moravam em casa de taipa com piso de barro e banheiro no quintal feito de palhas de coqueiro, esses alimentos dificilmente chegavam em suas mesas. 

No meio da conversa em sua casa, Dona Raimunda me contou sobre dois momentos que marcaram sua vida nesses tempos de fome e miséria, nos meados de 60, em plena ditadura militar. Como de costume, tinham para o almoço feijão branco e farinha de mandioca. Com a farinha e o feijão, Raimunda fez bolinhos à mão (macaquinhos) para comer. Colocou sal no bolinho, mas na sua sua imaginação, quando colocava sal, pensava em ovo cozido. Raimunda imaginava uma comida diferente e rara, que não tinha na mesa. Ela ficava apenas na vontade de comer ovos cozidos com sal. 

Outro momento difícil foi quando, como irmã mais velha, teve que repartir meio litro de leite para sete crianças. Não teve outro jeito. Raimunda acrescentou água e farinha no leite para poder alimentar seus irmãos e irmãs. Esta cena aconteceu por diversas vezes, era rotineira em muitas outras famílias pobres da região. 

Hoje, há milhões de famintos nesse imenso Brasil. Há famintos de pão nos lixões, nas calçadas dos grandes centros urbanos, em regiões do sertão nordestino, entre os que consomem pedras de crack em vez de comida. Os assistêncialismos em suas diversas formas, tem servido apenas para promoção de ONG’S e igrejas, sem uma resposta concreta para desigualdade social, que tem gerado opressões em larga escala, mantendo os pobres na miséria. O testemunho de Raimunda, que muitos anos depois conseguiu vencer a miséria e a fome nos anima, nos faz acreditar, sonhar e ter esperança em um mundo melhor. Os pobres não tem a quem recorrer, se não ao Deus de misericórdia. 

Grande parte da igreja se esqueceu dos pobres, por isso prefere o discurso da prosperidade, do bem estar e da exaltação da doutrina institucional. Hoje, a igreja tem ocultado o Jesus de Nazaré, servo pobre e humilde, prefere apresentar o Jesus do templo, das hierarquias, dos dogmas, da lei, cada instituição com sua lista contida em seus estatutos. A burocracia e o sistema hierárquico se sobrepõe ao amor aos pobres, impedindo a ação do Espírito na caminhada libertadora da igreja. 

Não deixemos calar a profecia. 

“Se a igreja esquece a opção pelos pobres, esqueceu o Evangelho.” (Dom Pedro Casaldália). 

Marcos Aurélio dos Santos

Natal, 22 de Setembro de 2019. 

Imagem ilustrativa.  Site: justificando

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