Os cidadãos de bem nos tempos de Jesus e os de hoje



O "Cidadão de Bem" e a Condenação de Jesus: Uma Leitura Crítica dos Evangelhos e da Realidade Atual


Marcos Aurélio dos Santos 

A cidade de Jerusalém, nos tempos de Jesus, constituía o epicentro da vida religiosa e do poder político do judaísmo. Ali estavam reunidos os grandes comerciantes, os principais representantes das famílias tradicionais ultraconservadoras, os escribas, os fariseus, os saduceus, os anciãos e outras lideranças influentes. Esses grupos formavam o que poderíamos chamar, em termos contemporâneos, de “cidadãos de bem” — defensores da ordem, da moral, da tradição, da religião e dos valores familiares e nacionais.

O Novo Testamento nos apresenta figuras paradigmáticas desse grupo, como Caifás, o sumo sacerdote; o jovem rico, que preferiu manter seus bens a seguir Jesus; ou ainda a multidão que, durante o julgamento de Cristo, escolheu libertar Barrabás. Todos esses personagens personificam a hipocrisia de um discurso que, embora se fundamente na defesa da Lei, acaba por negar os princípios mais profundos da justiça e da misericórdia.

Foi exatamente esse grupo — os “cidadãos de bem” — que liderou e legitimou a prisão, a tortura e a execução política de Jesus de Nazaré. Fariseus e autoridades religiosas, em aliança com o poder político romano, articularam mentiras, forjaram provas e apresentaram falsas acusações, culminando na condenação do inocente. O paradoxo é evidente: aqueles que se diziam guardiões da fé e da moral foram os principais agentes de uma das maiores injustiças da história.

Jesus, em suas parábolas, frequentemente desvelava a hipocrisia dessas lideranças religiosas. A parábola do bom samaritano é um exemplo notável. Nela, um sacerdote e um levita — representantes da religião oficial — ignoram um homem ferido à beira do caminho, priorizando suas funções cultuais no templo. O samaritano, por sua vez, um estrangeiro marginalizado, é quem realiza o verdadeiro ato de misericórdia. Jesus denuncia, assim, a religiosidade que se omite diante do sofrimento humano em nome de rituais vazios.

Essa crítica, profundamente enraizada nos Evangelhos, permanece atual. Os “cidadãos de bem” de hoje continuam a frequentar templos, a citar as Escrituras, a reivindicar a defesa da família e a proclamar slogans como “Deus acima de tudo” e “sou patriota”. Entretanto, muitos desses mesmos indivíduos se associam a líderes autoritários, violentos e mentirosos — falsos messias que promovem o ódio, o preconceito e a exclusão sob o pretexto de restaurar a ordem moral. Mais uma vez, Jesus é traído, torturado e crucificado — não em corpo, mas em espírito e mensagem.

É compreensível, portanto, que Jesus tenha preferido a Galileia à Jerusalém. A Galileia era a periferia, o lugar dos marginalizados e esquecidos. Foi entre os pobres, os doentes, os pecadores e os excluídos que Ele encontrou acolhida. Sua opção preferencial pelos últimos revela a essência de sua missão: amar, libertar e incluir. Em contraste, os “cidadãos patriotas” de ontem e de hoje se mostram comprometidos com um projeto de poder que instrumentaliza a fé para perpetuar estruturas de dominação e exclusão.

Que o Deus de amor, justiça e misericórdia nos livre, em nosso tempo, da hipocrisia disfarçada de virtude. Que nos ajude a reconhecer, nos caminhos da Galileia de hoje, o verdadeiro rosto de Cristo.



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