Marcos Aurélio dos Santos
A Pluralidade Religiosa e a Exclusividade Cristã: Uma Reflexão sobre Deus e a Diversidade Espiritual
1. A expansão do cristianismo e suas ramificações
A tradição cristã constitui atualmente a maior religião do mundo, com mais de 2,2 bilhões de adeptos. Ao longo de sua trajetória histórica, o cristianismo deu origem a diversas vertentes, tais como o catolicismo, a ortodoxia, o protestantismo reformado e o evangelicalismo. Cada uma dessas correntes apresenta características particulares no que se refere aos ritos litúrgicos, estruturas de governo, formulações doutrinárias, dogmas e hierarquias eclesiásticas. Com o passar do tempo, essas ramificações também se fragmentaram internamente, frequentemente em decorrência de disputas teológicas, divergências interpretativas e interesses políticos, resultando na formação de inúmeras denominações desde os primeiros séculos da era cristã.
2. Exclusivismo religioso e imposição de crenças
Em diversas tradições cristãs, especialmente em vertentes mais conservadoras, observa-se a persistência de uma visão exclusivista de salvação e espiritualidade. Muitos fiéis acreditam que Deus se encontra limitado ao âmbito do cristianismo e que não há salvação fora de seus marcos doutrinários. Essa crença frequentemente fundamenta práticas proselitistas que operam por meio da imposição e da deslegitimação de outras crenças e culturas. Para esses grupos, a verdade religiosa é absoluta e inquestionável, e a conversão de outros povos torna-se uma missão inevitável, mesmo que isso implique a negação de suas identidades espirituais e culturais.
3. Missões cristãs e a desvalorização das espiritualidades originárias
A atuação missionária cristã junto a povos africanos e indígenas oferece um exemplo paradigmático desse processo de imposição religiosa. Esses povos detêm sistemas de crença complexos e milenares, com uma profunda conexão entre espiritualidade, natureza, ancestralidade e coletividade. Seus ritos, danças, formas de organização social, práticas alimentares e lideranças espirituais, como o pajé e o cacique, integram uma cosmovisão que articula o sagrado de forma integral à vida cotidiana. Contudo, muitas missões cristãs, especialmente aquelas vinculadas a vertentes fundamentalistas, historicamente buscaram invalidar essas expressões, promovendo um discurso evangelizador marcado pelo etnocentrismo e pelo apagamento cultural.
4. A transcendência divina e o pluralismo religioso
Frente a esse cenário de exclusão, torna-se necessário reafirmar que a experiência do sagrado transcende as fronteiras institucionais das religiões. Deus não se encontra limitado a uma única tradição, doutrina ou nome. A pluralidade religiosa do mundo expressa, de maneira diversa, atributos divinos como o amor, a compaixão, a solidariedade, o acolhimento, a fraternidade e o respeito mútuo. Esses valores podem ser encontrados nas mais variadas manifestações religiosas, o que evidencia que Deus se revela de formas múltiplas e culturalmente situadas.
5. Deus além da religião: liberdade, respeito e inclusão
A afirmação de que "Deus não tem religião" representa uma crítica ao exclusivismo e uma defesa da liberdade espiritual dos povos. Cada cultura possui o direito de nomear e cultuar o divino segundo suas próprias referências linguísticas, simbólicas e existenciais. Nenhuma religião pode reivindicar para si a posse de Deus ou da verdade absoluta. No contexto brasileiro e em outras partes do mundo, observa-se que religiões de matriz africana figuram entre as mais perseguidas e marginalizadas, frequentemente vítimas de intolerância promovida por segmentos cristãos. Diante disso, é urgente promover uma espiritualidade que valorize a liberdade de crença, o diálogo inter-religioso e o reconhecimento da dignidade de todas as tradições religiosas.
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