Repensar o Cristo: Uma Leitura Crítica e Libertadora da Páscoa
Por várias décadas, tem-se difundido entre cristãos e cristãs uma imagem de Jesus centrada no poder e na concessão de bênçãos, apresentada como resposta direta às orações de indivíduos em busca de soluções para suas aflições pessoais. Trata-se de um Jesus glorificado, exaltado, cuja principal atuação consiste em abrir portas de emprego, restaurar empresas em falência, multiplicar os rendimentos familiares e curar enfermidades. É o Jesus da prosperidade, um Cristo individualista, muitas vezes apropriado por determinados grupos religiosos, que o concebem como distante da realidade comunitária e das lutas cotidianas do povo. Um Jesus que, assentado em um trono celestial, tudo observa e controla, mas que pouco se relaciona com os dramas concretos das comunidades marginalizadas.
Esse mesmo Jesus, em algumas vertentes religiosas, assume ainda um caráter autoritário. Sob seu comando, os fiéis se submetem a uma lógica de obediência baseada no medo, sustentada por estruturas hierárquicas opressoras. Trata-se de um Cristo excludente, doutrinador, severo, desprovido de espírito comunitário, limitado ao templo, aos altares, aos rituais e às normas doutrinárias. Um Jesus que alimenta uma esperança alienante, voltada exclusivamente para o céu, ignorando a urgência da justiça no aqui e agora.
Neste tempo de Páscoa, torna-se urgente a desconstrução dessa imagem hegemônica. É necessário repensar o ensino bíblico sobre Jesus, especialmente a partir de uma perspectiva periférica e comprometida com os Evangelhos, à luz dos relatos sobre o Jesus de Nazaré: amoroso, subversivo, de um ministério clandestino, livre e profundamente humanizado, movido por entranhas de compaixão e misericórdia. Trata-se de uma subversão que confronta os poderes de dominação e que se realiza à margem das instituições religiosas oficiais de Jerusalém.
A Páscoa celebra a ressurreição do Jesus de Nazaré — não de um Cristo imperial, mas de um homem que viveu entre os pobres, que se fez próximo, que construiu laços, que acolheu a todas e todos sem distinção. Sua ressurreição gera vida em abundância, fortalece o espírito comunitário, reacende a esperança utópica e alimenta a fé e a resistência dos que sonham com um mundo mais justo.
É esse Jesus da Galileia que precisamos celebrar: aquele que caminha com o povo, que faz amigos e amigas, que não possui um grupo predileto e que vive plenamente o mandamento do amor. A vida em comunidade, na lógica do Reino, vale mais do que todos os bens do mundo — pois, como afirmou o próprio Jesus, “que adianta ao ser humano ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida?”
A Páscoa, portanto, é tempo de compaixão, misericórdia, partilha, esperança, fé e amor. É tempo de liberdade, de utopia e de comunhão. É tempo de lembrar aos discípulos e discípulas de hoje a missão de imitar o subversivo de Nazaré, vivendo uma fé encarnada, comprometida com a justiça e enraizada na solidariedade.
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