Pão e Peixe, Comunidade e Partilha


Marcos Aurélio dos Santos

Pão, Peixe e Palavra: A Espiritualidade da Partilha em Comunidade

Jesus de Nazaré, o Deus pobre e subversivo da Galileia, é a Palavra encarnada que comunica vida em abundância. Sua presença refrigera a alma, fortalece os corações e anima as comunidades cansadas. Ele é Palavra de esperança para os abatidos, Palavra que encoraja na travessia dos desafios contemporâneos. Mas essa Palavra precisa ser lida e interpretada a partir da vida concreta, no contexto atual, por meio de uma nova lente — uma leitura comunitária, partilhada, encarnada na realidade.

Na manhã de hoje, a experiência do café partilhado — com pão e peixe — tornou-se expressão viva dessa espiritualidade da partilha. Aqui na região da Grande Natal, o peixe é mais do que alimento: é símbolo cultural, presença cotidiana em nossa mesa nordestina. O peixe que comemos — uma tilápia fresquinha adquirida na feira livre do bairro — evocou não apenas o sabor da culinária potiguar, mas também a memória viva do Evangelho.

Ao ver o pão e o peixe no prato, fui imediatamente conduzido ao texto do Evangelho segundo Marcos, capítulo 6, que narra a multiplicação dos pães e peixes. Uma grande multidão seguia Jesus — homens, mulheres e crianças. Estavam em um lugar deserto, longe das vilas e povoados. Diante da escassez de recursos, um dos discípulos sugere que o povo seja dispersado. Jesus, no entanto, recusa tal proposta. Em vez disso, convoca a multidão e seus discípulos e discípulas à experiência da partilha.

Jesus organiza o povo em grupos de cem e de cinquenta, assentados na relva, em comunhão. Esse gesto simples revela um princípio fundamental do Reino: a solidariedade. A partilha do pão e do peixe torna-se, ali, um sinal do Reino que se constrói a partir da compaixão, da mesa comum, do cuidado mútuo. Ao dividir a multidão em pequenos grupos, Jesus também ensina sobre convivência, escuta e diálogo. Na partilha, há espaço para o abraço, a prosa, o conselho, o pranto e a celebração.

Outro aspecto teologicamente significativo é que Jesus não exclui as mulheres nem as crianças — diferentemente das práticas religiosas de seu tempo, que frequentemente marginalizavam esses grupos. Na lógica do Reino, todos têm lugar à mesa, todos são convidados à partilha.

Hoje, em meio a uma cultura marcada pelo individualismo e pela competição, nossas comunidades carecem de um renovado senso de partilha. É necessário resgatar o espírito da mesa de Jesus — onde o pão e o peixe não são propriedades privadas, mas dons de Deus destinados a todos. A oração que Jesus nos ensinou não diz “meu pão”, mas “pão nosso”, expressão que aponta para a dimensão coletiva da vida, da fé e da justiça.

A vivência comunitária do Evangelho implica encarnar a alegria da partilha em todos os aspectos da existência. Cada refeição pode se tornar uma celebração eucarística cotidiana, um sinal do Reino que já se faz presente entre nós.

Cabe-nos, portanto, a pergunta: de que forma temos partilhado o pão e o peixe com nossos irmãos e irmãs? Como temos vivido em comunidade? Estamos lendo a Bíblia como Palavra viva para hoje, ou ainda presos a interpretações descontextualizadas e individualistas?

Ler a Bíblia a partir da vida, em comunidade, é um ato profundamente profético. É permitir que a Palavra ganhe carne e sangue nas realidades do nosso povo. Que nossas mesas sejam lugares de graça e comunhão. Que a Palavra se revele na simplicidade do pão e do peixe. E que o Evangelho se encarne em gestos concretos de solidariedade, justiça e amor.




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