Opção Pelos Pobres: Profecia e Escuta



A Escuta das Comunidades: Caminho Profético de Libertação 

Marcos Aurélio dos Santos 

Ouvir a comunidade é uma ação essencial na missão cristã. Trata-se de um gesto profundamente evangélico que exige empatia, sensibilidade e compromisso. É necessário inclinar-se com atenção e reverência diante das dores, dos sonhos, das lutas e das esperanças do povo. Escutar não é tarefa simples, pois demanda uma caminhada conjunta, encarnada na realidade comunitária. Escutar a comunidade é, em última análise, escutar o próprio Deus, pois Deus é comunitário, e sua voz se manifesta nas vozes dos pobres, nos clamores das periferias, nas histórias de vida que emergem do chão da existência.

As escutas comunitárias nos ensinam muito. Elas nos revelam a vida em sua inteireza — marcada por partilha, solidariedade, resistência e superação. As crianças, por exemplo, nos falam com espontaneidade sobre seu cotidiano: as brincadeiras pelas ruas empoeiradas do bairro, os jogos de futebol nos fins de semana, a alegria de confeccionar pipas para soltá-las no entardecer. Nessas pequenas narrativas habita uma sabedoria profunda, uma espiritualidade simples, mas verdadeira, que revela o Deus da vida presente na experiência cotidiana.

Ouvir as mulheres das comunidades, por sua vez, é encontrar narrativas de luta, resistência e fé. Suas histórias são marcadas por enfrentamentos cotidianos em contextos de múltiplas opressões sociais, mas também são expressão de coragem, esperança e espiritualidade libertadora. Suas vozes nos conduzem ao caminho da fé encarnada e transformadora — a fé que caminha com os pobres, inspirada no Cristo sofredor e solidário, o servo de Nazaré, que fez opção pelos marginalizados.

Fazer a opção pelos pobres é uma exigência evangélica que nos liberta do assistencialismo histórico — esse modelo que, ao invés de promover a autonomia, reforça a dominação, tratando os pobres como eternos necessitados, dependentes da caridade dos poderosos. Tal postura reduz a dignidade dos pobres, transformando-os em instrumentos de promoção pessoal e institucional, em vez de reconhecê-los como sujeitos históricos de sua própria libertação.

A escuta, portanto, deve ser comunitária, profética e libertadora. Ouvir as comunidades é também escutar as injustiças estruturais que as ferem; é identificar e denunciar as diversas formas de exclusão e desigualdade. Mas ouvir não basta: é preciso responder de forma concreta, por meio de ações que animem o povo em sua luta por dignidade, reconhecimento e transformação social.

Diferentemente do assistencialismo, que mantém os pobres em estado de dependência e resignação, a profecia cristã reacende a esperança, convoca à resistência e impulsiona a comunidade a seguir sonhando e lutando. É nas trincheiras da utopia, na caminhada coletiva pela construção de um mundo mais justo, onde habitem a misericórdia e a fraternidade, que a escuta ganha sentido pleno.

A escuta verdadeira transforma. Ela nos humaniza e nos aproxima de Deus. Que nossas comunidades sejam espaços de escuta atenta, de denúncia profética e de anúncio esperançoso. Que, ao ouvir os clamores do povo, escutemos também o coração de Deus pulsando pela justiça e pelo amor.


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