O Carnaval: Alegria de Cores e Expressão da Cultura Popular Brasileira

Marcos Aurélio dos Santos 

Carnaval, Cultura e Fé: uma reflexão crítica sobre o puritanismo evangélico

Para a maioria dos evangélicos, o carnaval é sinônimo de quatro dias de depravação moral e corporal. Trata-se, segundo essa perspectiva, de uma festa pagã, na qual todos os que dela participam deverão, inevitavelmente, prestar contas a Deus por seus atos de “folia” e “desobediência”. Ai daquele irmão ou irmã que ousar “pular” o carnaval — será, com toda certeza, réu de condenação sumária nos tribunais da moralidade fundamentalista. Não há escapatória. Não por acaso, criou-se entre muitos segmentos evangélicos a cultura dos “retiros de carnaval”: é necessário se retirar da “festa do mal”, fugir daquilo que, supostamente, contamina. É a cristalização de uma demonização do carnaval como expressão cultural.

Tal postura revela um puritanismo enraizado, tanto da mente quanto do corpo, alimentado por uma teologia fundamentalista e descontextualizada, em detrimento de uma fé pensante, crítica e libertadora. Uma fé que valorize a alegria de viver, as manifestações populares, a beleza das danças, dos batuques, das músicas e da riqueza cultural de nosso povo. Soma-se a isso uma notável carência de conhecimento histórico e cultural, e uma ausência de sensibilidade pastoral para compreender o que, de fato, representa o carnaval em sua diversidade e complexidade. Há, também, uma notória tendência entre setores do protestantismo neoconservador a emitir juízos de condenação a todos aqueles que supostamente violam os parâmetros da “sã doutrina institucional”.

O carnaval, ao contrário do que muitos imaginam, é uma das mais expressivas manifestações culturais do Brasil, repleta de diversidade, beleza e memória coletiva. Ele se expressa de formas variadas nas diferentes regiões do país. Basta observar o frevo e o maracatu de Recife e Olinda, que, em meio a cores vibrantes, danças tradicionais e instrumentos percussivos, preservam e celebram a arte e a cultura locais. Ou então os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro, que mobilizam comunidades inteiras nos morros, com seus carros alegóricos, fantasias e coreografias ensaiadas com dedicação, criatividade e amor à cultura popular.

Não se pode ignorar, ainda, a relevância do carnaval da Bahia, que resgata anualmente a história e os valores da ancestralidade africana no Brasil. Ao som dos tambores do Olodum, com repiques, timbales e ritmos que reverberam resistência e identidade negra, o povo ocupa as ruas celebrando sua memória e dignidade.

Há, infelizmente, uma ignorância generalizada alimentada por uma formação teológica excludente, que nos ensinou, ao longo de décadas, a nos afastar de tudo aquilo que expressasse, ainda que minimamente, a corporalidade, o prazer e a alegria — elementos muitas vezes confundidos com pecado. Contudo, é necessário perguntar: o que, de fato, nos contamina? O que realmente constitui pecado?

É a indiferença diante das injustiças que nos corrompe. É o preconceito, a ganância, o ódio, o individualismo, a hipocrisia religiosa, a falta de compaixão, o desprezo pela partilha e o julgamento precipitado do outro. São essas atitudes — e não a celebração cultural e coletiva do carnaval — que contaminam a alma e afastam o ser humano do projeto de vida e plenitude apresentado por Jesus de Nazaré.

O carnaval é uma expressão legítima da alegria do povo, da beleza da cultura brasileira e da capacidade de resistência e celebração da vida. É símbolo de identidade, de luta, de memória e de arte. Não há evangelho autêntico que se sustente sobre a negação da cultura e da alegria do povo. É tempo de revisarmos nossos preconceitos e de reconhecermos que a fé cristã, quando enraizada na compaixão, na justiça e no amor, pode dialogar com a cultura sem perder sua essência.

Viva o carnaval! Viva a cultura do nosso povo. 




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