Fraternidade, Amor e Utopia



Marcos Aurélio dos Santos 

A Grande Família de Deus: Diversidade, Unidade e Compromisso com a Justiça

A família de Deus possui traços marcantes de diversidade. Deus não possui um grupo familiar exclusivo ou homogêneo. É na diversidade que conseguimos superar as múltiplas barreiras que impedem a vivência autêntica do amor e da fraternidade entre todos e todas, conduzindo-nos a reconhecer a amplitude e a beleza da grande família divina em suas diversas formas de expressão.

As barreiras do preconceito, do ódio, da violência e do desrespeito às diferentes formas de culto, liturgia, doutrina e tradição religiosa podem ser superadas quando assumimos a identidade de uma família de Deus que se une em amor, de forma ecumênica, na luta pelo bem comum. Esta unidade não se constrói pela uniformidade, mas pelo respeito mútuo e pela prática concreta da solidariedade.

Historicamente, setores da educação cristã de matriz conservadora têm se empenhado em inculcar a ideia de que Deus possui um único e exclusivo modelo de família, idealizado como o padrão normativo para a vida cristã. Tal compreensão tem gerado exclusão e sofrimento, ignorando a possibilidade de uma construção familiar diversa, includente, compassiva, servidora e comunitária — uma família que espelhe o amor acolhedor de Deus.

O apóstolo Paulo, ao escrever aos cristãos de Éfeso, apresenta uma concepção profundamente inclusiva da família de Deus: "Portanto, vocês já não são estrangeiros, nem forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus" (Efésios 2.19). Essa declaração rompe com barreiras étnicas, culturais e religiosas, abrindo espaço para a formação de uma comunidade universal, onde raça, cultura, doutrina e costumes se entrelaçam no respeito e na liberdade de expressão da fé.

Unir-se como em uma casa comum, onde há lugar para todos, exige práticas concretas de fraternidade. Somos chamados a participar de um grande movimento comunitário, sustentado pelo amor de Jesus de Nazaré. Essa união não se dá apenas por afinidades doutrinárias, mas pela prática do bem que transcende as diferenças. Como irmãos e irmãs, convocados pelo Deus Javé, somos desafiados a construir laços de solidariedade por meio de gestos e ações que promovam vida digna.

Seremos, assim, reconhecidos como membros da família de Deus — não apenas por um pertencimento nominal ou ritualístico, mas como um povo que se compromete com a luta pela libertação dos oprimidos. É nesse espírito que se cumpre o novo mandamento de Cristo: "Um novo mandamento lhes dou: que amem uns aos outros. Assim como eu os amei, que também vocês se amem uns aos outros" (João 13.34).

Os desafios diante de nós são muitos. Impulsionados pelo amor de Cristo, somos chamados a caminhar juntos com os pobres, com os moradores em situação de rua, com os homossexuais vítimas da violência e da intolerância, com as crianças negras e periféricas em situação de vulnerabilidade, com as mulheres violentadas, com os povos indígenas e camponeses que sofrem opressão em suas próprias terras, com os sem-teto que lutam por moradia digna, e com os encarcerados em meio ao sofrimento do sistema prisional.

Nesta caminhada, um dos maiores inimigos a ser enfrentado é o individualismo excludente, que rompe os vínculos comunitários e impede a construção do bem comum. Por isso, é urgente que nos unamos como a grande família de Deus, em uma perspectiva ecumênica, para que possamos vislumbrar e construir dias melhores.

A história nos mostra que essa tarefa nunca foi fácil. A resistência sempre existiu — e continuará existindo — de múltiplos lados. Contudo, reafirmamos que é na diversidade que Deus se faz presente e atuante. Esta é a grande provocação do Evangelho: encontrar unidade na pluralidade, solidariedade na diferença, comunhão na diversidade.

A utopia continua viva. Seguimos firmes na fé, na esperança e no amor. Que possamos sonhar juntos com um mundo mais justo, belo e fraterno — expressão concreta da grande família de Deus.





 


  


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