Marcos Aurélio dos Santos
Texto base: Mateus 6:24-33
Os ensinos de Jesus no Sermão da Montanha apontam para uma nova ordem, uma verdadeira desconstrução da antiga maneira de viver. Trata-se de um chamado a novos desafios fundamentados no amor, como fica evidente nas bem-aventuranças, que tratam de temas como justiça, mansidão, pacificação, humildade e misericórdia. Jesus estabelece um novo paradigma que transcende o antigo modelo de espiritualidade, este frequentemente manipulado por uma doutrina legalista, sustentada pelos doutores da Lei. Tal espiritualidade, marcada por uma leitura fundamentalista da Lei e dos Profetas, resultava em uma vivência individualista e excludente, que marginalizava os que não se alinhavam à rigidez da suposta "sã doutrina".
Jesus, ao contrário, enfatizou a vida comunitária, a partilha, a compaixão, o serviço, a misericórdia e o perdão — e não apenas em palavras. Os evangelhos testemunham que seus ensinos estavam profundamente enraizados na prática. Ele não ensinava a partir de tratados legalistas, nem se valia de filosofias estrangeiras, mas atualizava os escritos da Lei e dos Profetas por meio de sua vivência libertadora com os discípulos e discípulas. Por isso, aqueles e aquelas que se reuniam para ouvi-lo ficavam maravilhados e edificados, pois suas palavras eram carregadas de autoridade, amor e verdade. Jesus falava a partir da vida que vivia (cf. Lc 4.32).
Um dos temas mais recorrentes nos ensinos de Jesus — especialmente no evangelho de Lucas — diz respeito ao amor ao dinheiro (Mt 6.24). Jesus desafia seus discípulos e discípulas a tomarem uma decisão: a quem desejam servir de fato? A Deus ou ao dinheiro? O discurso é direto e contundente. Para seguir a Cristo, é necessário romper com a lógica do acúmulo, com a idolatria da riqueza, com a sujeição ao poder econômico. A relação é clara: amar a um é odiar o outro. Deus não se identifica com a avareza, com o egoísmo ou com os sistemas opressores. Deus é essencialmente comunitário.
A advertência de Jesus é incisiva: “Não se preocupem com as suas próprias vidas” (v. 25). Essa frase é fundamental para compreendermos a proposta de vida comunitária que Jesus apresenta. Ele vai além da doutrinação dos escribas e fariseus, ao ensinar que a vida humana tem mais valor do que os bens materiais. O convite é claro: preocupar-se com a vida do outro, com suas necessidades. A prática do acolhimento e da partilha é uma resposta radical e revolucionária diante de uma sociedade que valoriza mais as coisas do que as pessoas. Jesus nos exorta a não perder o sono planejando acumular riquezas ou decidindo que roupa vestir ou o que comer. Afinal, do que vale o acúmulo, se tudo está sujeito à deterioração, ao roubo e à destruição? Em vez disso, somos chamados a juntar tesouros no céu — aqui e agora — que se manifestam no amor ao próximo em suas múltiplas expressões (cf. Mt 6.19-21).
Jesus prossegue ensinando sobre o cuidado providente de Deus. Utiliza o exemplo dos pássaros: seres livres, que não acumulam, mas que são diariamente supridos pelo Criador. Deus cuida de seus filhos e filhas como uma mãe cuidadosa: alimenta, protege, acolhe. O mesmo ocorre com os lírios do campo, cuja beleza não depende de vestes luxuosas. A beleza dos lírios é expressão do cuidado divino que se renova a cada manhã. A fé pequena, como Jesus aponta, é uma fé egoísta e alienada, que duvida do cuidado de Deus e recusa-se a viver a partilha (vv. 25-32).
Ao final de sua exposição, Jesus nos oferece um caminho para enfrentar os dilemas da vida: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça” (v. 33). O Reino de Deus não é uma abstração futura ou um ideal distante. Ele começa aqui e agora, na realidade concreta das pessoas, nas lutas diárias, nos espaços de resistência e solidariedade. É nesse contexto que os discípulos e discípulas de Jesus são chamados a trilhar os caminhos do amor prático, da justiça encarnada, da espiritualidade que se expressa no serviço ao outro. Buscar o Reino de Deus é comprometer-se com os pobres, com os marginalizados, com os que choram, e acreditar na possibilidade de um mundo mais justo. É assumir o amor como prática revolucionária. O Reino se manifesta no cuidado e na inclusão, ao passo que a riqueza acumulada apodrece, é corroída e roubada. O amor, no entanto, permanece eternamente.
Diante disso, cabe-nos refletir:
Quais são os nossos sonhos?
Qual tem sido a nossa relação com o dinheiro e os bens materiais?
Temos de fato buscado o Reino de Deus e a sua justiça?
Nosso modo de viver a espiritualidade inclui o pobre, o marginalizado, o necessitado?
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