Assistencialismo e Profecia: Reflexões Para Uma Sociedade Mais Justa


Marcos Aurélio dos Santos 

A crítica de Jesus ao sistema de opressão retratado no Evangelho de Lucas encontra um eco significativo na narrativa de Mateus sobre a prática das esmolas. Jesus denuncia a prática do "dar" por parte dos fariseus como uma expressão escrupulosa e mesquinha, que servia, em verdade, para encobrir um sistema opressor profundamente enraizado contra os pobres. A caridade, neste contexto, era reduzida a migalhas — sobras destinadas a legitimar, de forma obscura e hipócrita, a manutenção da desigualdade. Tal prática era cuidadosamente exposta aos olhos da sociedade, com o intuito de receber aplausos e reconhecimento público. Por essa razão, Jesus adverte seus discípulos: “Tenham o cuidado de não praticar suas ‘obras de justiça’ diante dos outros para serem vistos por eles” (Mt 6.1).

Jesus propõe, em contrapartida, uma nova ordem, uma nova forma de fazer justiça que transcende o assistencialismo performático. Em vez de uma caridade baseada na acumulação e na distribuição das sobras, o homem de Nazaré propõe uma vida comunitária estruturada sobre uma sociedade igualitária — uma mesa de partilha onde todos e todas são convidados a compartilhar o pão. Não se trata de um pão celeste reduzido a uma ideia espiritualizada e desvinculada da realidade, mas do pão concreto, que sacia a fome do pobre, do faminto, da vítima de um sistema opressor. A oração “Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia” (Mt 6.11) deve ser compreendida como uma demanda concreta por justiça alimentar e dignidade humana.

Essa nova lógica de vida, fundamentada na solidariedade e na comunhão, subverte a antiga concepção da justiça de Deus, que, em muitos contextos religiosos, colocava os pobres em condição de marginalização, sujeitos a uma prática assistencialista perversa, marcada pela autopromoção de seus benfeitores e pelo encobrimento da violência estrutural promovida pela classe dominante. Esta, muitas vezes legitimada por um fundamentalismo religioso, preferia agradar ao povo com gestos pontuais do que organizá-lo para um movimento libertário. Jesus, com voz profética, denuncia essa hipocrisia com veemência nos "ais" dirigidos à elite religiosa de seu tempo: “Ai de vocês, mestres da lei e fariseus hipócritas!” (cf. Mt 23.13, 15, 27).

Na atualidade, muitas organizações cristãs institucionais têm se empenhado na prática do dar, o que tem, de fato, atenuado parte do sofrimento de populações vulneráveis. Contudo, é necessário ir além. É preciso sonhar com utopias fundadas num olhar profético e crítico. É urgente fazer as perguntas certas: por que há milhões de famintos em um país abundante em alimentos e riquezas naturais? Por que uma minoria concentra em suas mãos grande parte da riqueza? Por que se insiste em dar as sobras? Por que alguns vivem em mansões luxuosas enquanto multidões estão sem teto e sem terra? Por que se confunde assistencialismo com a justiça de Deus?

A exemplo de Jesus, os cristãos são chamados a organizar o povo, a confiar em sua força, criatividade, capacidade e potência transformadora. São convocados a profetizar com coragem. Isso significa reconhecer o rosto de Deus no pobre, no oprimido, no excluído — e, a partir dessa revelação, lutar pela construção de uma sociedade verdadeiramente justa, igualitária e fraterna.


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