A Espiritualidade Libertadora de Jesus



Marcos Aurélio dos Santos 

A experiência histórica da prática de espiritualidade na igreja cristã tem revelado, de forma recorrente, o esforço de grande parte do povo de Deus em cultivar uma espiritualidade de caráter individualista. Trata-se de uma espiritualidade marcada por um reducionismo teológico que privilegia a relação vertical entre Deus e o indivíduo, em detrimento de uma vivência comunitária que possibilite o encontro com o outro em um horizonte de fé compartilhada.

Ao longo da história da igreja, a espiritualidade cristã tem sido frequentemente moldada por práticas devocionais centradas na salvação pessoal e na busca por experiências íntimas com o divino, muitas vezes desconectadas da realidade social e das relações humanas. Esse cenário tem gerado um tipo de individualismo religioso que carece de perspectivas comunitárias, solidárias e transformadoras, comprometidas com o Evangelho libertador de Jesus de Nazaré.

No entanto, as palavras de Jesus, registradas no Evangelho de Marcos, nos impulsionam à busca por uma espiritualidade renovada e integral. Jesus exalta o amor como o maior de todos os mandamentos, capaz de transcender a Lei e os Profetas. É no poder do amor que o ódio, a opressão, a exclusão e a fragmentação social encontram sua superação. O chamado de Jesus aos seus discípulos e discípulas é um convite à prática de um amor supremo, que rompe com o preconceito e o egoísmo, e que inaugura uma nova forma de viver em comunidade.

“Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.” (Mc 12.30–31)

Esse duplo mandamento rompe com os limites estreitos da espiritualidade formalista e legalista de sua época. A proposta de Jesus desestabiliza a doutrina tradicional judaica, que restringia o amor aos pares e autorizava o ódio aos inimigos. Em contrapartida, Jesus propõe uma espiritualidade do amor incondicional e universal, fundamentada na liberdade (cf. Lc 6.27–36). Amar a Deus implica, de modo indissociável, amar ao próximo — ainda que este seja um inimigo. Os dois mandamentos não podem ser dissociados, pois se completam em um só movimento de fé e prática. Quem ama com liberdade, ama sem esperar nada em troca, sem impor condições ou limites; ama simplesmente porque aprendeu com Jesus a amar.

A vivência concreta de uma espiritualidade cristã autêntica só se realiza na conjunção entre o encontro com Deus e o encontro com o próximo. Esta espiritualidade vai além do cumprimento mecânico de ritos, códigos ou dogmas instituídos pelo sistema religioso. Ela se revela na caminhada com as pessoas, especialmente com os pobres e marginalizados. Trata-se de uma espiritualidade encarnada, que se manifesta em todos os espaços da vida cotidiana: no bairro, na família, no local de trabalho, na escola, nas comunidades periféricas e nos encontros da fé. É nesses espaços que floresce uma espiritualidade libertadora — aquela que acolhe, compartilha, é movida pela misericórdia e pela fraternidade, e que celebra a liberdade de amar a todos e todas.

A espiritualidade libertadora é uma espiritualidade da vida. Ela valoriza cada pessoa em sua dignidade e reconhece o ser humano como imagem e semelhança de Deus. Foi essa espiritualidade que Jesus de Nazaré viveu de forma plena. Ele optou por estar com o povo, em vez de centralizar sua missão no templo e em seus aparatos religiosos. Escolheu a Galileia — terra dos esquecidos, espaço de diversidade e lugar de resistência — para iniciar sua caminhada de libertação. Para Jesus, a vida está acima de todas as observâncias da Lei e de seu rigorismo. Por isso, Ele convida todos a aprenderem com Ele a mansidão, a humildade, o amor e a libertação da opressão (cf. Mt 11.30).

O caminho de Jesus parte das margens para o centro, da Galileia para Jerusalém. Seus seguidores são, em sua maioria, os oprimidos: camponeses, doentes, leprosos, prostitutas, pessoas possessas, mulheres pobres, crianças, escravizados, cobradores de impostos e soldados do baixo escalão do império romano. Essa comunidade de marginalizados constitui o grupo que segue Jesus no caminho. A nova espiritualidade que surge com Ele é construída à margem do templo e do controle religioso. Trata-se de uma verdadeira revolução espiritual que denuncia a exclusão e anuncia a chegada do Reino de Deus como nova esperança para os pobres e excluídos.

A igreja cristã contemporânea continua buscando viver a espiritualidade, e há múltiplas formas de expressão espiritual nos dias de hoje. Frequentar o templo, orar, ler a Bíblia e buscar o poder de Deus para resolução de questões pessoais são práticas válidas, mas que precisam ser ressignificadas à luz da espiritualidade ensinada e vivida por Jesus. Afinal, quem temos encontrado nos diversos encontros da vida? Estamos caminhando nos passos de Jesus de Nazaré, aquele que optou pelos pobres e vítimas da opressão? Estamos de fato acolhendo todos e todas na construção de uma nova espiritualidade, libertadora e transformadora?

A espiritualidade cristã, à luz do Evangelho, é um caminho de comunhão, justiça e amor. É uma espiritualidade que não se contenta com a salvação individual, mas se compromete com a transformação da realidade e com a construção de uma comunidade de irmãos e irmãs, onde todos possam experimentar o amor libertador de Deus.


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