Jesus, Bartimeu e o Grito dos Excluídos

Marcos Aurélio dos Santos 

“E, depois, foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando. E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim. E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele clamava cada vez mais: Filho de Davi! tem misericórdia de mim. E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama. E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se e foi ter com Jesus. E Jesus, falando, disse-lhe: Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista. E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho” (Marcos 10.46–52).

Essa passagem bíblica é um dos relatos mais impactantes da tradição cristã. Trata-se da história de um homem cego e pobre, vítima da marginalização social e da opressão estrutural, que, ao encontrar-se com Jesus, experimenta uma transformação profunda e integral. O encontro de Bartimeu com Cristo não representou apenas a cura física da cegueira, mas inaugurou uma mudança de vida em múltiplas dimensões: espiritual, social, econômica e política. Foi um resgate de sua dignidade enquanto ser humano. Uma ação libertadora, concreta e restauradora de Jesus de Nazaré.

Bartimeu, identificado como “filho de Timeu”, era um homem cego que mendigava às margens da estrada que saía da cidade de Jericó — uma cidade palestina situada a cerca de dez quilômetros do rio Jordão. A mesma Jericó onde Zaqueu, o publicano, teve seu célebre encontro com Jesus, também resultando em arrependimento e transformação (Lc 19.1–10). Ambas as histórias ilustram o ministério de Jesus entre os excluídos e marginalizados, num contexto de forte opressão por parte das elites políticas, religiosas e econômicas do templo de Jerusalém — centro do poder e da desigualdade social na época.

Bartimeu era mais do que um cego. Era um homem empobrecido, marginalizado e invisibilizado pela sociedade. Provavelmente passava os dias sentado no mesmo ponto da estrada, dependendo da caridade dos transeuntes. Sua vida era marcada por estagnação, exclusão e desprezo. O texto bíblico revela algo crucial: “E muitos o repreendiam, para que se calasse”. Essa reação evidencia o desprezo reservado àqueles considerados socialmente indesejáveis. Bartimeu era tratado como um incômodo público — um dos muitos esquecidos por uma sociedade elitizada, representada ali pela classe média urbana de Jericó.

Mas Bartimeu ousa clamar. Seu grito rompe a multidão e alcança os ouvidos de Jesus: “Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim!” É o grito de um homem desesperado por dignidade, alguém que não tem onde dormir, que sofre com a fome, com a invisibilidade social, com a solidão e com a ausência de qualquer horizonte de futuro. É o clamor dos que, até hoje, permanecem à margem: sem nome, sem história, sem direitos.

Bartimeu integra o mesmo grupo social do coxo à porta do templo (At 3.2) e dos leprosos excluídos (Lc 17.12). Pessoas que, em sua maioria, viviam na região da Galileia — lugar onde Jesus iniciou seu ministério público. Ali viviam famílias camponesas empobrecidas, pescadores, artesãos e pequenos comerciantes. Todos oprimidos pelo sistema tributário do Império Romano, que extorquia até 50% da renda familiar. Mas em meio a essa realidade de exploração e miséria, a boa nova do Reino de Deus irrompe.

Ao perceber que era Jesus quem passava, Bartimeu não se cala, apesar das pressões da multidão. Ele clama com mais intensidade por aquele a quem reconhece como o “Filho de Davi”, o Messias esperado, o libertador dos pobres e o restaurador da justiça. E Jesus para. Jesus escuta. Jesus chama. Um movimento inverso ao da sociedade que silencia e exclui. Jesus acolhe, ouve e restaura. Ao responder à pergunta de Jesus — “Que queres que te faça?” — Bartimeu não pede riquezas, reconhecimento ou poder. Ele pede o essencial: a visão. Mas a resposta de Jesus transcende a cura física: “Vai, a tua fé te salvou”. O texto conclui dizendo que Bartimeu passou a seguir Jesus “pelo caminho”. Ele foi curado e, mais do que isso, foi integrado à comunidade dos discípulos. Sua vida recomeçou.

A dignidade foi restaurada. Bartimeu não era mais um pedinte à margem do caminho. Ele passou a caminhar com Jesus. Abandonou a poeira da estrada, a solidão, a fome e o desprezo. Tornou-se parte do movimento libertador do Reino de Deus, agora rodeado por irmãos e irmãs, partilhando vida, fé e missão.

Esse relato traz implicações profundas para os nossos dias. Quantos “Bartimeus” ainda hoje clamam à beira dos caminhos urbanos, implorando por dignidade e justiça? Quantos mendigam nos semáforos, nas calçadas, nas portas dos restaurantes, sob os viadutos? Quantos são ignorados — não apenas os pobres em condição material, mas também os afetiva e simbolicamente excluídos: os moradores de rua, os dependentes químicos, os homossexuais, as prostitutas, os refugiados, os analfabetos funcionais?

Jesus foi ao encontro de Bartimeu e o acolheu. Cabe aos discípulos e discípulas de hoje repetir esse gesto: ir ao encontro dos que sofrem, ouvir seus clamores e atuar profeticamente contra todo tipo de opressão. Seguir Jesus é trilhar esse caminho — o caminho da escuta, da compaixão e da justiça. O Evangelho do Reino não é apenas uma mensagem espiritual; é um chamado para a transformação integral da vida. A experiência de Bartimeu nos ensina que, ao ouvir e acolher o clamor dos oprimidos, estamos ouvindo e acolhendo o próprio Cristo.

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