"Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz." (Filipenses 2:5-8)
O apóstolo Paulo, ao escrever à comunidade cristã de Filipos, propõe como modelo a ser seguido a figura de Jesus Cristo – o Deus que se esvazia, se humaniza e assume a condição de servo. Esta passagem é central para a teologia cristã, pois evidencia um Deus profundamente humano, que se encarna não apenas como ato místico, mas como gesto concreto de solidariedade, compaixão e serviço junto aos pobres e marginalizados.
Jesus, oriundo de Nazaré, uma aldeia periférica da Galileia, emerge como o Messias libertador, cuja missão não é de glória e dominação, mas de serviço e entrega. Sua trajetória é marcada por um profundo compromisso com a vida concreta do povo, especialmente os marginalizados pelo sistema político-religioso da época. É nesse contexto de exclusão, opressão e desigualdade que Jesus anuncia o Reino de Deus como boa nova aos pobres:
"O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos." (Lucas 4:18)
A missão de Jesus é uma ruptura com as estruturas de poder estabelecidas. Ele desafia as autoridades religiosas e políticas, denuncia a exploração econômica, a corrupção no sistema tributário e a marginalização social de grupos vulneráveis. Casos como o do cego de Jericó (Lc 18:35), o aleijado à porta do templo (At 3:2), os leprosos excluídos (Mt 11:15), a desigualdade no acesso à terra (Mt 5:5) e a rejeição aos estrangeiros (Mt 25:35) evidenciam a realidade que Jesus enfrentou e à qual se solidarizou.
A espiritualidade de Jesus é radicalmente encarnada. Ele não contempla o sofrimento de forma distante, mas o assume em sua própria carne, culminando em sua morte na cruz. Trata-se de uma espiritualidade profética que remete aos antigos profetas hebraicos, como Isaías, Amós e Jeremias, que também denunciaram as injustiças sociais e convocaram o povo à fidelidade a Deus por meio do cuidado com os pobres.
Ao exortar os filipenses, Paulo aponta para a necessidade de a comunidade cristã imitar o Cristo servo. A humildade, o serviço e a entrega devem marcar a vida dos discípulos e discípulas:
"Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros." (João 13:14)
Essa dimensão do seguimento de Jesus permanece atual. Em tempos marcados por desigualdades estruturais, opressão de minorias, racismo, pobreza extrema e políticas que desumanizam os mais frágeis, a Igreja é convocada a assumir a atitude de Cristo. Ser cristão é, portanto, estar engajado na luta por justiça, na promoção da dignidade humana e na construção de comunidades solidárias e libertadoras.
O chamado paulino é um imperativo ético-espiritual: assumir a condição de servo em um mundo que idolatra o poder e a dominação. A fé cristã autêntica se expressa no compromisso com a transformação da realidade e no cuidado com os que sofrem. Que sejamos, pois, discípulos e discípulas do caminho, atentos às dores do povo e disponíveis para o serviço amoroso e libertador do Reino de Deus.

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