Em uma conversa com moradores
da comunidade de Jardim Progresso, periferia na Zona Norte de Natal, debrucei
meus ouvidos a uma narrativa do estado de violência em nossa comunidade. Dona
Socorro, trabalhadora doméstica que sai para o trabalho às 4.30HS da madrugada,
em ônibus lotado (pega quatro para ir e vir), nesse dia chegou atrasada no
trabalho, caso raro pois é pontual em seus compromissos. A razão do atraso foi
que teve que voltar correndo e aterrorizada quando caminhava para a parada de
ônibus pois havia dois homens armados com pistola a espera de uma vítima para
execução. O Bairro de Nossa Sra da Apresentação, onde está situada a comunidade
de Jardim Progresso, está na triste estatística como o bairro mais violento de
Natal. Logo me veio uma preocupação com esta cena pois eles estavam na
esquina bem próximo ao Espaço Comunitário que está situado em uma área marcada
por histórias de violência, assaltos à mão armada, furtos, estupros e morte.
Vítimas que em sua maioria são pobres e negros.
Duas pesquisas têm grandes
relevância nessa questão da violência na comunidade de Jardim Progresso. De
acordo com o atlas da violência 2017, a cada 100 pessoas assassinadas no país,
71 são negras. Em concordância com essa realidade, o IPEA revela uma triste
realidade em nosso contexto potiguar. Entre 2005 e 2015 houve um crescimento
acentuado de 331,8% de mortes entre pobres e negros no Rio Grande do Norte.
Podemos concluir que dos mais de 1000 assassinatos ocorridos em nosso estado
nesse período de cinco meses, em sua grande maioria são Jovens pobres e negros
da periferia. O estado tem a missão de promover políticas públicas para que
haja uma redução desses números absurdos. Contudo na história até agora não o
fez. Violência e morte só crescem no estado.
Na perspectiva da fé cristã
evangélica, há um elemento de grande relevância diante deste contexto: A Fé
Política! Uma fé cristã que não se limita a uma perspectiva reducionista, que
só enxerga o céu em detrimento do chão da vida, da história, da igualdade, da
justiça aqui e agora. Precisamos de uma fé politizada como resposta a essa
realidade. Uma fé que não é forjada em uma doutrinação sistemática submetida a
um dogma ou teoria. Esta fé é viva, está na vida, no contexto onde estamos e
faz interação com o mundo e seus desafios sócio-políticos.
Lembro-me de uma cena em uma de
nossas oficinas no Espaço Comunitário que deixou alguns dos Irmãos e irmãs
perplexos. Em uma das aulas pela manhã veio ao meu encontro o aluno Gabriel,
menino negro e pobre e tem seis anos de idade. Se aproxima com um brinquedo de
montar. Ele montou uma metralhadora e chega correndo e gritando: “Mão na
cabeça! Mão na cabeça! Deita... Deita!... Logo perguntei: ” Gabriel, onde você
viu esta cena? Ele respondeu: “ Foi com meu Pai!!! Ele foi preso e está na
penitenciária! Alguns irmãos e irmãs presenciaram este testemunho de Gabriel.
A realidade do aluno Gabriel é
também a de muitos outros que encontramos na caminhada pela periferia. Ele tem
cinco Irmãos pequenos entre 2 e 10 anos, vivem em um contexto de pobreza e
violência onde nos desafia a buscar respostas concretas para o sofrimento
deles, sem assistencialismo. Esta realidade tem nos desafiado a refletir e
chegar a uma conclusão: Não basta apenas dar pão, se faz necessário perguntar por
que há tanta miséria que gera violência e morte em nossa comunidade, enquanto
há uma minoria abastarda nos lugares altos de nossa grande Natal.
Certamente esta resposta não
está em uma visão teológica-espiritualista do pecado pessoal ou em movimentos de
manifestações sobrenaturais com base no espiritualismo ou ainda eventos de
mídia. A questão vai mais adiante. É preciso um combate ao mal que está
instalado nas estruturas de poder de opressão. Esta é uma questão que requer de
nós cristãos engajamento político, voz profética, no caminho, a partir da
Galileia de hoje, as periferias onde se encontram os problemas sociais em
externo na sociedade. Denunciar a opressão, a pobreza, a violência entre os
negros, lutar por uma sociedade igualitária, na partilha do bem comum,
denunciar todo tipo de centralização de poder, quer no sistema político,
religioso, social e econômico. Busquemos o reino de Deus onde habita o amor
libertário.
Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.
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