Exílio, Profecia e Libertação


Marcos Aurélio dos Santos  

Marcos Aurélio dos Santos

“Que fora levado de Jerusalém para o exílio por Nabucodonosor, rei da Babilônia, entre os que foram levados prisioneiros com Joaquim, rei de Judá.” (Ester 2:6)

O exílio babilônico, ocorrido em 587 a.C., marcou profundamente a história e a identidade do povo hebreu. Foi um tempo de dor e sofrimento, em que sob a ordem de Nabucodonosor houve uma deportação em massa. Lideranças políticas, militares, religiosos, e inclusive o jovem Joaquim, rei de Judá, foram levados cativos para a Babilônia. O povo que permaneceu em Jerusalém viveu sob opressão, enfrentando a destruição da estrutura social, o colapso das instituições e a violência sistemática.

Esse foi um período crítico para o povo de Deus. O exílio provocou guerra, fome, doenças e desespero. As lamentações do profeta Jeremias expressam esse sofrimento:

“Por isso digo: 'Meu esplendor já se foi, bem como tudo o que eu esperava do Senhor'." (Lamentações 3:18)

Era compreensível essa lamentação em meio ao desespero de um povo desarticulado, sem rei, com o templo profanado, vendo mulheres e crianças sendo vitimadas pela violência e sem qualquer perspectiva de autonomia. Contudo, em meio à dor e à opressão, nasce a esperança.

Jeremias, como profeta do Deus libertador, entrega uma mensagem de ânimo, coragem e amor:

“Todavia, lembro-me também do que pode dar-me esperança: Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade! Digo a mim mesmo: A minha porção é o Senhor; portanto, nele porei a minha esperança.” (Lamentações 3:21-24)

Essa esperança não é romântica nem alienante, mas concreta e contextualizada. Ela emerge do "chão da vida", da história de um povo oprimido que luta por liberdade. É um chamado à resistência, à fidelidade e à reconstrução. Jeremias chama os exilados à ação concreta e à continuidade da vida, mesmo em solo estrangeiro:

“Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados, que deportei de Jerusalém para a Babilônia: 'Construam casas e habitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos. Casem-se e tenham filhos e filhas; escolham mulheres para casar-se com seus filhos e deem as suas filhas em casamento, para que também tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e não diminuam. Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao Senhor em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela'." (Jeremias 29:4-7)

O exílio, portanto, adquire também um caráter místico e simbólico. Ele representa todos os exílios da história da humanidade: o exílio romano como punição aos considerados indesejáveis, o exílio galego durante a Guerra Civil Espanhola, o êxodo dos nordestinos fustigados pela seca, o exílio político durante a ditadura militar no Brasil em 1964. Todos estes são sinais de um mundo marcado pela injustiça.

A esperança profética do exílio, como nos lembra Padre José Comblin, não é fuga da realidade, mas engajamento nela:

“Ter esperança não é sonhar num mundo diferente, mas trabalhar para que este seja melhor – ao menos em alguns setores.”

Nos exílios contemporâneos – nas perdas de direitos, na violência contra pobres, mulheres, homossexuais, negros da periferia, camponeses sem terra, povos indígenas e quilombolas – é urgente redescobrir essa esperança encarnada. É preciso ouvir a profecia:

“Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis.” (Lamentações 3:21)

Aí reside nossa força. Como povo de Deus, somos chamados a manter viva a profecia, a levantar nossa voz em indignacão, a mover nossos pés em resistência e abrir nossas mãos em serviço à causa da justiça e da liberdade.

Referências

  • BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Como Fazer Teologia da Libertação. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010.
  • BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis: Ed. Vozes, 2012.
  • COMBLIN, José. O Caminho: Ensaios Sobre o Seguimento de Jesus. São Paulo: Ed. Paulus, 2004.
  • COMBLIN, José. Cristãos Rumo ao Século XXI. São Paulo: Ed. Paulus, 1996.
  • BETTO, Frei. Um Deus Muito Humano: Um Novo Olhar Sobre Jesus. São Paulo: Ed. Fontanar, 2013.
  • BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Ed. Paulus, 2004.
  • CEBI. Escola Bíblica Popular. Apostila.
  • GAMELEIRA, Sebastião. A Missão de Deus: Recriar a Vida. São Leopoldo: Ed. CEBI, 2015.
  • SUNG, Jung Mo. Se Deus Existe, Por que Há Pobreza? São Paulo: Ed. Reflexão, 2008.


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