Fé, Política e o Compromisso com o Bem Viver



Marcos Aurélio dos Santos

A prática do "toma lá, dá cá" e a perseguição aos opositores revelam o uso da política como instrumento de dominação, e não de justiça. Nesse cenário, uma fé que não se politiza a partir dos valores do Reino de Deus, longe de promover a cultura do bem viver, torna-se uma prática religiosa danosa, legitimadora de opressões — especialmente contra os pobres. A vivência comunitária, portanto, deve prevalecer como expressão de uma política do comum, inclusiva e libertadora, como nos ensina o livro de Atos: “Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum” (Atos 2.44).

Jesus de Nazaré denunciou, de maneira contundente, a política opressora de seu tempo. Sua missão não se deu à parte das estruturas sociais e políticas da Palestina do século I; ao contrário, Ele as enfrentou diretamente. Desde sua entrada simples e subversiva em Jerusalém até sua caminhada ao lado dos marginalizados na Galileia, passando pela crítica ao Templo como espaço de exploração e alienação, Jesus demonstrou um claro engajamento com a libertação do povo. Sua resistência ao poder imperial romano e às estruturas religiosas coniventes com a opressão o levou à prisão, à tortura e, por fim, à execução. Como bem nos lembra Frei Betto, seguimos um preso político, condenado por dois poderes — o religioso e o imperial — por sua fidelidade ao projeto do Reino.

Como discípulos e discípulas desse Cristo crucificado, somos convocados à mesma missão: lutar ao lado dos pobres e dos excluídos, promovendo a cultura do bem viver. Isso implica escutar a Deus por meio do clamor dos empobrecidos, e caminhar com eles nas trincheiras da utopia, na esperança de um mundo mais justo, fraterno e solidário. A fé, nesse sentido, não é uma fuga da realidade, mas o combustível que alimenta a resistência dos que acreditam na possibilidade de uma nova sociedade, onde todos e todas possam partilhar a terra, os bens e a vida, como dádivas do Deus Javé.

A política, quando vivida à luz do Reino de Deus, transforma-se em instrumento de denúncia das injustiças e anúncio de novas possibilidades. Torna-se companheira fiel na defesa dos direitos, na luta contra os poderes opressores, e na construção de um mundo pautado pela dignidade, pela misericórdia e pela justiça.

Vivemos tempos sombrios: desmonte de direitos sociais, disseminação de fake news, perseguição aos povos indígenas e quilombolas, aumento da homofobia e do feminicídio, assassinatos de lideranças camponesas e defensores da terra. Diante disso, é urgente acolher, proteger, resistir, amar e lutar. A cultura do bem viver não é neutra: é política, é coletiva, é solidária, é utópica. Ela não caminha com o individualismo egoísta nem com os que promovem a exclusão e a morte. Seu caminho é o da fraternidade, do cuidado com a vida em todas as suas dimensões, e da esperança em dias melhores.

Que a política — resgatada de sua deturpação histórica — seja instrumento de justiça, e que, por meio dela, possamos testemunhar: “o Reino de Deus está entre nós” (Lucas 17.21).


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