A Missão Integral e a Superação do Assistencialismo: Uma Autocrítica



Marcos Aurélio dos Santos 

A teologia da missão integral tem desafiado a igreja evangélica brasileira a repensar alguns aspectos de sua identidade e missão nas últimas décadas no contexto evangélico da América Latina. Devemos reconhecer que ela tem buscado repensar alguns dos velhos paradigmas que por sua vez tem apontado caminhos relevantes para a missão da igreja, principalmente no serviço às pessoas. Uma reflexão teológica com alguns traços latinos que desafia a igreja a rever conceitos importantes como salvação, justiça, missão, espiritualidade e liderança.

Contudo é hora de a Missão Integral repensar sua práxis. É preciso dizer! Urge não se limitar apenas nas reflexões e discursos e avançar na busca de novos desafios para uma práxis concreta e libertária. A missão integral necessita urgentemente de uma autocrítica, principalmente sobre as implicações do fazer, como também na construção de um diálogo ecumênico com outras teologias progressistas. Devemos reconhecer que neste aspecto a MI tem caminhado a passos lentos e com propostas por muitas vezes com traços de um assistencialismo aprimorado. Carece de uma politização mais abrangente e propostas concretas de libertação. O máximo que se tem feito com muito esforço, é um aprimoramento do assistencialismo histórico que tem marcado a ação social da igreja. Para grande parte da igreja local que propõe praticar a missão integral, sem ter uma clara definição de sua proposta, fazem uma dicotomia entre evangelismo e ação social. Uma visão dicotômica e reducionista herdada das teologias tradicionais-conservadoras sob influência do gnosticismo grego.    

As dicotomias, reducionismos e uma forte ênfase na apologética estão impedindo que as igrejas locais avancem com uma prática mais sustentável e propostas concretas de libertação pelo poder do Evangelho. Temas como política, economia, ecumenismo, raça, homofobia, terra, intolerância religiosa, fome, imigração e outras questões atuais que dizem respeito às injustiças no contexto latino americano, ainda não estão em pauta e muito menos na prática da grande parte dos movimentos de igrejas locais que trabalham com MI. 


O teólogo espanhol Juan José Tamayo, no CLADE V (Congresso Latino-Americano de Evangelização) ocorrido em San José, Costa Rica, de 9 a 13 de julho de 2012 falou corajosamente sobre os dez desafios da Missão Integral no futuro. Vejamos: 

1) Responder à pobreza estrutural e aos movimentos de luta contra a pobreza. Desse desafio surgirá uma igreja solidária, uma igreja da libertação integral, uma igreja dos pobres.

2) Responder à globalização neoliberal excludente e à altergloblalização inclusiva. A alterglobalização é um movimento que se opõe aos efeitos negativos da globalização econômica. Desse desafio surge uma igreja contra-hegemônica, uma igreja contraimperial.

3) Responder ao patriarcado e ao feminismo, como alternativa. Segundo ele, a igreja ainda é patriarcal na organização, na doutrina, na moral e na linguagem. Logo, o feminismo aparece como uma filosofia de igualdade e um movimento social de libertação das mulheres. Desse desafio surgirá uma igreja comunitária e fraterna, onde a mulher também seja sujeito.

4) Responder à destruição do meio ambiente e à consciência ecológica. Desse desafio surgirá uma igreja que não seja uma organização antropocêntrica, mas uma comunidade ecológica, comunidade que defenda os direitos da natureza.

5) Responder ao neocolonialismo e à descolonização das igrejas. Desse desafio surgirá uma igreja autóctone, uma igreja latino-americana.

6) Responder à uniformidade cultural e à interculturalidade. Desse desafio surgirá uma igreja universal, uma igreja intercultural.

7) Responder ao fundamentalismo, instalado nas cúpulas, e ao diálogo inter-religioso e social. Desse desafio surgirá uma igreja em diálogo ecumênico, inter-religioso e social.

8) Responder ao dogmatismo e à afirmação da ética. O dogma não pode sobrepor-se ao Evangelho e as "verdades eternas" não podem se sobrepor à ética. Desse desafio surgirá uma igreja que recupere os símbolos, porque, como diz Paul Ricoeur, o símbolo dá que pensar; uma igreja que recupere a ética como teologia primeira, assim como Emmanuel Lévinas afirmava a ética como filosofia primeira.

9) Responder à uniformidade e fragmentação, e ao pluralismo eclesiástico. Desse desafio surgirá um igreja plural, sem fragmentação, sem exclusão, sem excomunhão, sem inquisidores e sem hereges.

10) Responder às investigações científicas e à condenação da ciência. Desse desafio surgirá uma igreja em diálogo com a ciência e uma igreja que critique os abusos da ciência. (Resumo feito por Luiz Felipe Xavier em 02/08/2012).

As críticas feitas por Juan José são contundentes e profundamente desafiadoras para a igreja hoje. É um chamado à igreja para uma prática libertária. Uma práxis que supera a assistência social histórica desafiando a igreja a ter de fato um rosto latino americano, libertando-se da velha teologia colonial que ainda está impregnada na teologia da missão integral.  

A MI continua levando em sua bagagem influencias das teologias colonizadoras do Norte e da Europa, ainda que muitos não concordem com essa afirmação. Não estamos construindo uma teologia a partir do contexto latino, da caminhada com o pobre em comunidade, ouvindo as pessoas e construindo parcerias de amor e libertação com as mesmas. Em vez disso, a maioria está começando pelas grandes estruturas, nas grandes lideranças eclesiais via clero. O caminho está errado. Embrulha-se pacotes prontos de assistência às pessoas sem ao menos perguntar se elas de fato querem tal ajuda, reproduzindo o velho método de ação social da maioria das igrejas evangélicas na história. Começam de cima para baixo, onde deveria ser exatamente o contrário, de baixo para cima.  

A missão integral no Brasil ainda não teve a coragem de perguntar porque há tanta miséria onde ao mesmo tempo as riquezas acumuladas estão nas mãos de uma minoria. Dá o pão, mas fica em silêncio diante das estruturas de opressão, do apoio às forças conservadoras- neoliberais da religião que ajudam na manutenção da desigualdade social em que vive o país. É preciso politizar! Não se posiciona contra às injustiças aos pobres: Sem-terra, sem teto, negros, desempregados. Também silencia contra os retrocessos políticos, violência urbana, violência contra LGBT`s, genocídio de mulheres da favela, opressão aos trabalhadores e trabalhadoras, e outras questões pertinentes ao nosso contexto latino. 

É preciso dialogar para aprender. A TdL, movimentos sociais, teologia negra, teologia feminista, fé e política e outros movimentos que lutam por justiça tem muito a dizer, principalmente sobre uma nova leitura da bíblia e a prática de uma libertação integral. À MI, falta bom senso, coragem e humildade. Urge discutir sobre tudo que diz respeito a injustiça e suas implicações sócio-políticas, pois tudo diz respeito ao evangelho. Podemos dizer que ninguém pode afirmar que faz missão integral em sua verdadeira integra. Ainda há muita parcialidade e reducionismos, pois, o termo integral implica em uma abrangência profunda e desafiadora para a igreja latino-americana. É preciso avançar e construir novos diálogos e buscar novas propostas para uma nova práxis. 

Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.  






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