A Liberdade de Pensamento e a Construção de Novos Paradigmas Para a Igreja




Marcos Aurélio dos Santos 


Houve tempos sombrios na história da igreja cristã em que não era permitido pensar. Tempos em que os cristãos leigos de pequenas comunidades não tinham acesso à leitura e interpretação da mesma, aliás, não lhes eram permitidos si quer aprender a ler e a escrever. Para o poderoso clero, o conhecimento estava restrito apenas aos mais abastados e cultos. Para eles, ser ignorante quanto ao saber, era algo que deveria fazer parte de forma definitiva da cultura dos pobres. Mantê-los longe dos estudos do saber e da Bíblia, era conveniente para a classe dominante e opressora. Assim pensava o clero: "Deixemos o povo permanecer na ignorância quanto as questões da vida e de seus direitos e teremos eles sempre sob nosso domínio."

Os leigos na idade média em geral era compostos por pequenos agricultores, carpinteiros, pescadores, pequenos comerciantes informais, escravos e etc. Estes eram submetidos a uma educação manipuladora do clero. O que era exposto nos sermões e leituras nos cultos, estava restrita apenas a questões espiritualistas e regras de obediência ao sistema clerical. O povo não era ensinado sobre as questões da vida, como cultura, saúde, economia, direitos e outros assuntos pertinentes à vida humana. Tempos de alienação, dominação e restrição do saber. Havia por parte do alto clero a intenção de alienar o povo para privá-los de poderem cobrar os seus direitos como cidadãos e também mantê-los obedientes ás normas da igreja. Toda teologia estava centrada em uma espiritualização alienista. Ou seja: Aos leigos só bastava saber o que fazer para ir para o céu. Anos depois com a reforma nos países da Europa surgiu o aparecimento de escolas para o povo e traduções da Bíblia para as línguas de cada país, como no caso da Inglaterra e Alemanha. Mais tarde no século XVII, surge o iluminismo na França que logo se torna global e que trouxe uma importante contribuição para a libertação do pensamento.  

Entretanto, muitos séculos se passaram, e apesar dos avanços, as lideranças da igrejas evangélicas de hoje, em vários seguimentos demonstram grande disposição em proibir o livre pensamento. Permeia entre nós o que podemos chamar de "doutrinação evangélica". Significa dizer que essa postura se fundamenta em: “Um processo de incutir ideias, atitudes, estratégias cognitivas ou uma metodologia profissional. Muitas vezes, é distinta da educação pelo fato de que se espera que a pessoa doutrinada não questione ou analise criticamente a doutrina que está sendo ensinada”. (Wikipédia). Essa doutrinação fundamentalista que influencia o ensino nas escolas brasileiras, é o mesmo aplicado nas igrejas para proibir o questionamentos dos membros da comunidade. Não é permitido questionar, dar sugestões de mudanças às bases de fé de uma denominação. Não seria esta falta de diálogo respeitoso, esta centralização do saber teológico, essa imposição fundamentalista das doutrinas em nossas igrejas umas das principais causas de tanta divisão, e que tem causado rachas e surgimentos de milhares de denominações? São milhares de milhares de denominações pelo Brasil a fora. Segundo uma pesquisa recente da Sepal, há uma projeção de crescimento para 2020 de 575 mil igrejas Evangélicas no Brasil. Lamentável! 

Essa dominação do saber nas igrejas evangélicas brasileiras tem suas bases em duas teologias. A do Norte nos EUA e da Europa. Nossas igrejas foram profundamente influenciadas por estas duas teologias, via seminários e missionários americanos com ênfase no fundamentalismo. De fato, por muitos séculos foram predominantes no meio evangélico e ainda são. Durante vários séculos não se construiu uma teologia reflexiva, contextual e dialogal. Tudo foi sistematizado obedecendo os dogmas da teologia sistemática já bem conhecida em nossos seminários e institutos bíblicos. Assim, a maior parte das igrejas foram forjadas em uma teologia reproduzida, engessada, pronta, enlatada, sem nenhuma possibilidade de abertura para diálogos com outras teologias. Disciplinar ou até mesmo em alguns casos excluir os que pensam diferente foi e ainda é uma das armas do fundamentalismo que fechou a igreja para o diálogo e que por sua vez travou o avanço de sua missão no mundo.

Em reação a este contexto de uma teologia dominante e uma necessidade da encarnação do evangelho de Jesus de Nazaré, surgiu nas últimas décadas, construções de teologias progressistas. Teólogos e teólogas começam a refletir e a construir uma nova teologia a partir do contexto latinoamericano com abertura para novos diálogos com outras teologias, ciências e outros seguimentos do saber. Destas podemos citar: Teologia negra, teologia da libertação, teologia da missão integral, teologia feminista, teologia liberal e teologia contextual. Teólogos e teólogas de linha progressista deram um grande passo para a contribuição do livre pensamento nas igrejas evangélicas, especialmente na América Latina. Teologias dessa natureza têm algo em comum. Pretendem por meio de uma nova reflexão e quebra de paradigmas, levar a igreja e repensar sua teologia e levar o povo de Deus e uma Práxis do Evangelho, refletir criticamente nossa vida como cristãos e um compromisso com o mundo e seus desafios sociais, econômicos e  políticos, chamando a igreja ao arrependimento. Então, tem sido feita uma autocrítica que busca repensar os conceitos de fé, liderança, missão da igreja, espiritualidade, ética cristã e outros temas relevantes para a igreja de nosso tempo.   

A Bíblia foi um livro escrito para o mundo, não para um grupo de religiosos ou à uma determinada denominação. Por esta razão é preciso abrir-se para o diálogo respeitoso e com senso crítico. Devemos perceber que todas a questões que estão no mundo como sociedade e criação nas suas múltiplas dimensões diz respeito ao Evangelho, e em hipótese alguma podem ser vistas de forma dicotômica, parcial ou reducionista. A visão e a ação deve ser integral. Uma doutrinação que impede um novo diálogo, a livre opinião e a diversidade de pensamentos não condiz com a proposta do Evangelho, pois o mesmo é poder libertador. Jesus ouvia com carinho e atenção os seus discípulos e outros que encontrou em sua peregrinação libertária, questionava e permitia ser questionado, dialogava com todos, até com mulheres Samaritanas, algo paradigmático para sua época. Jesus era livre. Ouvir outras teologias, dialogar com diversos seguimentos da religião e das diversas ciências humanas se faz necessário e urgente para que o Reino de Deus se manifeste de forma mais abrangente, para que a glória de Deus seja vista em toda a terra.  

BIBLIOGRAFIA:

COMBLIN, José. O Caminho: Ensaio sobre o Seguimento de Jesus. São Paulo: Ed. Paulus, 2004, 226pp.

KOHL, Manfred Waldemar, BARRO, Antônio Carlos (Organizadores). Ministério Pastoral Transformador. Londrina: Ed. Descoberta, 2006, 277pp.

STEUERNAGEL, Valdir, SOUZA, Ricardo Barbosa (Organizadores). Nova Liderança. Paradigmas de Liderança em Tempos de Crise. Curitiba: Ed. Encontro, 2002, 202pp.

PADILLA, C. René. Missão Integral: O Reino de Deus e a Igreja. Viçosa: Ed. Ultimato, 2012. 217pp.

COMBLIN José. Cristãos Rumo ao Século XXI: nova caminhada de libertação. São Paulo: Ed Paulus, 1996, 373pp.

COMBLIN, José. Jesus de Nazaré. São Paulo: Ed Paulus, 2010, 116pp.  









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