Marcos Aurélio dos Santos
Em uma das visitas que fiz na comunidade de Jardim Progresso, na região
periférica de Natal, Rio Grande do Norte, conheci a família de Rafael, aluno do
espaço comunitário pé no chão. Sua mãe atenciosamente nos recebeu em sua casa.
Lugar simples. Ao chegar, logo percebi que a família de Rafael vivia uma vida
difícil, faltando-lhes o mínimo direito à dignidade humana. Na ocasião, fiz a
matrícula de mais dois dos seus irmãos que no total são cinco. Crianças de um a
oito anos. Um detalhe que me deixou perplexo: Aquela família estava
sobrevivendo apenas com a ajuda do Governo Federal, o Bolsa Família. Fiquei
chocado. Comecei a perceber que as assistências feitas por igrejas e ONGs, de
maneira minúscula, jamais irão dar uma resposta concreta à realidade da família
de Rafael e de tantas outras que vivem na periferia de Jardim Progresso.
Percebi que era uma questão de injustiça social.
Um estudo recente sobre o imposto de renda – com base nos declarantes no
Brasil entre 2007 e 2013, elaborado por Evilásio Salvador – revela o novo mapa
da desigualdade no Brasil. Um ponto relevante na pesquisa mostra a absurda
distancias entre as duas realidades.
“O Brasil tem um dos mais injustos sistemas tributários do mundo e uma
das mais altas desigualdades socioeconômicas entre todos os países. Além disso,
os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres,
criando uma das maiores concentrações de renda e patrimônio do planeta. Essa
relação direta entre tributação injusta e desigualdade e concentração de renda
e patrimônio é investigada no estudo ‘Perfil da Desigualdade e da Injustiça
Tributária’, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com
apoio da Oxfam Brasil, Christian Aid e Pão Para o Mundo. Tive o privilégio de
conduzir a pesquisa e redigir sua versão final.” (Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/563457-o-novo-mapa-da-desigualdade-brasileira). A Receita Federal também revela o aumento da desigualdade no Brasil.
“Os dados da Receita Federal analisados para o estudo revelam uma casta
de privilegiados no país, com elevados rendimentos e riquezas que não são
tributados adequadamente e, muitas vezes, sequer sofrem qualquer incidência de
Imposto de Renda (IR). Por exemplo: do total de R$ 5,8 trilhões de patrimônio
informados ao Fisco em 2013 (não se considera aqui a sonegação), 41,56%
pertenciam a apenas 726.725 pessoas, com rendimentos acima de 40 salários
mínimos. Isto é, 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente
a 45,54% do total. Considera-se, ainda, que essa concentração de renda e
patrimônio está praticamente em cinco estados da federação: São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, agravando ainda mais as
desigualdades regionais do país”.
Estes dados nos dão a resposta do porquê a família de Rafael, como
também de muitas outras no Brasil, vivem em um estado de pobreza extrema. Uma
política tributária injusta que favorece os mais ricos, uma tributação que
oprime o pobre, esmagando qualquer esperança de mudanças positivas quanto a sua
qualidade de vida. É um processo crescente que aumenta a concentração de
riqueza dos afortunados em detrimento dos mais pobres. Uma injustiça gritante
em tempos de crise econômica.
Essa questão diz respeito a nós, igreja. Contudo a mesma permanece em
absoluto silêncio diante das injustiças aos mais pobres. Não se move nem fala.
A Igreja está paralisada, muda, e isto é grave. Calar-nos diante das injustiças
nos faz cúmplices do sistema de opressão. Permanecer em silêncio, ante à fome e
à miséria dos sem voz, colabora com o pecado dos opressores e usurpadores dos
direitos e das necessidades humanas básicas, como alimentação e moradia. A
Igreja está em pecado. Aliás, tornou-se amiga íntima do neoliberalismo, pois
não resistiu aos desejos nefastos do capitalismo, e esta é uma das fortes
razões da igreja não se posicionar diante de um cenário de desigualdade
extrema. A Igreja necessita de arrependimento.
Faz-se necessário e urgente uma releitura e compressão clara por parte
da igreja sobre a profecia hoje. O resgate da voz profética da igreja, e uma
ação que se movimente ao encontro dos que sofrem, certamente trará respostas
concretas para a realidade da desigualdade social em nosso tempo presente. Dar voz aos que não têm voz e uma ação profética, que comece de baixo
para cima, são os grandes desafios da igreja evangélica brasileira no
cumprimento da profecia. Essa voz profética não pode ser confundida com uma
previsão futura ou ensino doutrinário na igreja, mas como a voz de Deus, por
meio da igreja, contra todo tipo de injustiça no mundo.
Alguns movimentos em determinadas igrejas têm depositado sua esperança
em candidatos evangélicos que, segundo estes, prometem fazer a diferença como
representantes de Deus. Mas lamentavelmente a história da bancada evangélica
brasileira é vergonhosa. É um desserviço ao evangelho, sem falar que esperar
transformação de realidades sociais via candidatura política é impensável no
contexto de igreja de Deus. Não há outro caminho a trilhar senão o da profecia.
Ainda que seja um caminho árduo e longo, sempre será o caminho de Deus. Os
caminhos do sistema político-partidário, como investidas em candidatos
evangélicos, não é o caminho da justiça que propõe o Jesus de Nazaré em seu
evangelho.
Então, a igreja deve rever o conceito de profecia, e por meio da voz e
ação nas partes baixas, denunciar as injustiças. Deve seguir o exemplo do
profeta João Batista que, com suas vestes de pele de camelo, com comida e vida
simples, denuncia a usurpação do poder da elite em Jerusalém, contra os acordos
maléficos entre o falso sumo sacerdote Caifás e o poder opressor de Roma.
Deus ama a sua igreja.
Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.
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