Marcos Aurélio dos Santos
A desigualdade social no mundo
tem chegado aos seus piores extremos. A nível global, os dados demonstram
números preocupantes. O aumento na concentração das riquezas centralizadas em
uma minoria revela o quanto a pobreza cresce no mundo.
“A crise da desigualdade global
está chegando a novos extremos. O 1% mais rico da população mundial detém mais
riquezas atualmente do que todo o resto do mundo junto. Poderes e privilégios
estão sendo usados para distorcer o sistema econômico, aumentando a distância
entre os mais ricos e o resto da população. Uma rede global de paraísos fiscais
permite que os indivíduos mais ricos do mundo escondam 7,6 trilhões de dólares
das autoridades fiscais. A luta contra a pobreza não será vencida enquanto a
crise da desigualdade não for superada”.
No mesmo relatório, há um dado
importante sobre o impacto destruidor ao meio ambiente:
“A Oxfam também demonstrou
recentemente que embora as pessoas mais afetadas pela pobreza vivam em áreas
mais vulneráveis a mudanças climáticas, a metade mais pobre da população
mundial é responsável por apenas cerca de 10% de todas as emissões globais de
gases do efeito estufa. 6 em todo o mundo, o impacto ambiental médio do 1% mais
rico da população mundial pode ser até 175 vezes mais intenso que o dos 10%
mais pobres”.(OXFAN
BRASIL, Fonte: oxfam.org). Estas informações nos levam a
refletir e fazer duas perguntas pertinentes ao tema. Qual a razão de tamanha
exploração e desigualdade? Como cristãos, teríamos uma resposta para esta
questão, visto que fomos chamados para a prática da justiça e do bem comum?
A história mostra que as
riquezas sempre estiveram nas mãos de uma minoria rica, e, que foi construída
às custas dos pobres. Como podemos ver nos antigos impérios, nas cúpulas do
sistema religioso, nos que se apropriaram de forma indevida das terras para
explorar suas riquezas naturais dizimando os que primeiro chegaram, no comercio
de escravos e mercadorias e mais tarde nas grandes indústrias por meio do
trabalho semi-escravo com mão de obre barata. Eis uma pista para a primeira
pergunta. A exploração, a ganância e a ausência de uma economia solidária são
razões fortes para a causa da desigualdade social no mundo que afortuna de
forma crescente uma minoria.
No mundo de hoje, as grandes
indústrias produzem de forma acelerada com metas exorbitantes, sem levar em
conta uma economia solidária que coopere para a sociedade. Neste
caso, buscar uma economia participativa, comunitária e justa, que não
acumula em detrimento da exploração de mão de obra. Esta visão capitalista é
mesquinha e insensível às pessoas. Tem sua base no neoliberalismo que visa
unicamente o lucro e o acumulo de riquezas. A produção industrial tem como
objetivo levar as pessoas a uma cultura de consumo a partir de um viés capitalista.
René Padilla em seu “livro Missão Integral: O Reino de Deus e a Igreja” comenta:
“Os centros urbanos não somente
servem como base de operação para as grandes indústrias: A própria existência
delas depende de sistematização, da organização de toda a vida em função de
produção e do consumo. Por isso a cidade, pouco a pouco, vai colocando todos os
homens num molde que absolutiza as coisas porque são símbolos de status, um
molde que não deixa lugar para questões relativas no sentido do trabalho nem ao
propósito de vida. O atual sistema industrial está a serviço do capital e não
do homem”. (PADILLA, 88p).
Por isso, é do outro lado, bem
distante dos grandes centros e dos bairros elitizados que percebemos a extrema
desigualdade social. Ao caminhar, ouvir e interagir com pessoas pobres na
comunidade periférica de Jardim Progresso (Zona Norte de Natal ),
onde atuamos em missão, percebemos essa realidade de forma encarnada. Não
é difícil encontrar crianças descalças e desnutridas caminhando nas ruas sem
saneamento básico, como no caso de alguns de nossos alunos que chagaram para
fazer a matrícula com os pés empoeirados, adolescentes analfabetos e algumas já
na condição de mãe solteira, homossexuais vítimas de violência, desempregados,
pessoas com doenças graves e mães que choram a perda de seus filhos para o
mundo do crime. Estes e muitos outros personagens da periferia são vítimas
desta desigualdade extrema, são protagonistas em um contexto de pobreza e
miséria.
Como cristãos não podemos
deixar de dar uma resposta à questão da desigualdade social que esmaga os
pobres. Uma resposta consistente e a partir de um viés bíblico. O abismo que
separa pobres e ricos de forma tão extrema tem como causa a ausência da justiça
entre a humanidade. Não é por menos que a Bíblia está repleta de textos que
abordam de forma enfática esta temática. São mais de três mil referências sobre
justiça e pobreza em sua maioria com um tom de denúncia e indignação da parte
de Deus.
Os profetas hebraicos exerceram
um papel de grande relevância na denúncia contra as riquezas que geraram
pobreza em sua época. Como porta voz de Deus, os profetas traziam uma mensagem
de arrependimento direcionada aos poderosos da religião, da política e da
economia admoestando-os sobre a prática da opressão aos mais fracos. Havia uma
preocupação especial com órfãos, viúvas, pobres e estrangeiros. Estes
geralmente eram os que mais sofriam por causa da injustiça. (Pv.22.22;
Jó.34.28; Sl.11.37; Sl.94.6; Dt.10.18; Ex.23.9; Mt.25.38).
O acumulo de riquezas em
detrimento da miséria do outro tem sua base na idolatria que por sua vez revela
o “deus mamom” que se faz presente neste século. O mal está instalado nas
grandes estruturas e não habita somente em uma dimensão pessoal. O mundo jazz
no maligno e por isso há potestades dominadoras e opressora neste mundo
presente. (Ef.6;12).
Nas palavras de Jesus
encontramos uma luz que nos faz entender na perspectiva do Evangelho a
desigualdade social no mundo.
"Ninguém pode servir a
dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e
desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao
Dinheiro". (Mt. 6:24). A dedicação e o amor ao dinheiro levam os
acumuladores de bens a buscar mais riquezas aumentando as estatísticas de uma
desigualdade social extrema.
Ainda no sermão do Monte Jesus
advertiu seus discípulos:
"Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”. (Mat.6.19-21).
Todo tipo de exploração e
opressão sempre vem de cima para baixo. Os poderosos detentores do poder, os
acumuladores, os religiosos e os sistemas políticos, sociais e econômicos que
atendem a uma minoria dominante e que exclui os que sofrem tem como fator
motivador o amor ao dinheiro e o desejo de dominar por meio do poder. São os
amantes de mamom.
Lamentavelmente uma parcela
considerável dos evangélicos tem caminhado pelo viés da idolatria ao dinheiro
contribuindo para o crescimento para uma desigualdade que gera miséria e
pobreza. Líderes da religião que tem construído fortunas por meio da exploração
da fé alheia, e o que é mais grave, acumulam estas riquezas em nome de Deus.
Para estes mercadejastes da fé, ser prospero financeiramente equivale a ter fé
em Deus ao passo que ser pobre, desqualifica o status de homem de Deus.
Dentro deste mesmo contexto de exploração, a idolatria de consumo que serve ao “deus mamom”, de forma gradativa tem se infiltrado no meio evangélico. Influenciados pelo neoliberalismo o que importa é ter, sem levar em conta a condição social e econômica dos outros. Ter sucesso nos negócios sem uma perspectiva comunitária, construir patrimônio para si mesmo, e consumir produtos para satisfazer seus desejos egoístas são algumas das marcas dos idólatras consumistas no contexto evangélico hoje.
Diante deste contexto de desigualdade, exploração e pobreza, como igreja os cristãos devem urgentemente levantar-se com voz profética. Não a voz da profecia dos “adivinhos do futuro”, mas a da denúncia contra o pecado da injustiça, da avareza, da idolatria e do consumismo egoísta. Lutar por políticas que busquem uma economia solidária que inclua os menos desfavorecidos e que não tenha como prioridade os grandes lucros e a exploração de mão de obra barata. Que possamos ouvir o Espírito de Deus e ao mesmo tempo o mundo com seus anseios, sofrimento e dor.
Sobre o Autor: Marcos
Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de
Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.
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