A Desigualdade Social e o Deus de Amor e Justiça



Marcos Aurélio dos Santos 

A desigualdade social no mundo tem chegado aos seus piores extremos. A nível global, os dados demonstram números preocupantes. O aumento na concentração das riquezas centralizadas em uma minoria revela o quanto a pobreza cresce no mundo.
Vejamos alguns dados no relatório apresentado pela Oxfam do Brasil em 18 de janeiro de 2016. Sobre a realidade da distância entre pobres e ricos o relatório diz: 

“A crise da desigualdade global está chegando a novos extremos. O 1% mais rico da população mundial detém mais riquezas atualmente do que todo o resto do mundo junto. Poderes e privilégios estão sendo usados para distorcer o sistema econômico, aumentando a distância entre os mais ricos e o resto da população. Uma rede global de paraísos fiscais permite que os indivíduos mais ricos do mundo escondam 7,6 trilhões de dólares das autoridades fiscais. A luta contra a pobreza não será vencida enquanto a crise da desigualdade não for superada”.

No mesmo relatório, há um dado importante sobre o impacto destruidor ao meio ambiente: 
“A Oxfam também demonstrou recentemente que embora as pessoas mais afetadas pela pobreza vivam em áreas mais vulneráveis a mudanças climáticas, a metade mais pobre da população mundial é responsável por apenas cerca de 10% de todas as emissões globais de gases do efeito estufa. 6 em todo o mundo, o impacto ambiental médio do 1% mais rico da população mundial pode ser até 175 vezes mais intenso que o dos 10% mais pobres”.(OXFAN BRASIL, Fonte: oxfam.org). Estas informações nos levam a refletir e fazer duas perguntas pertinentes ao tema. Qual a razão de tamanha exploração e desigualdade? Como cristãos, teríamos uma resposta para esta questão, visto que fomos chamados para a prática da justiça e do bem comum?

A história mostra que as riquezas sempre estiveram nas mãos de uma minoria rica, e, que foi construída às custas dos pobres. Como podemos ver nos antigos impérios, nas cúpulas do sistema religioso, nos que se apropriaram de forma indevida das terras para explorar suas riquezas naturais dizimando os que primeiro chegaram, no comercio de escravos e mercadorias e mais tarde nas grandes indústrias por meio do trabalho semi-escravo com mão de obre barata. Eis uma pista para a primeira pergunta. A exploração, a ganância e a ausência de uma economia solidária são razões fortes para a causa da desigualdade social no mundo que afortuna de forma crescente uma minoria.

No mundo de hoje, as grandes indústrias produzem de forma acelerada com metas exorbitantes, sem levar em conta uma economia solidária que coopere para a sociedade. Neste caso, buscar uma economia participativa, comunitária e justa, que não acumula em detrimento da exploração de mão de obra. Esta visão capitalista é mesquinha e insensível às pessoas. Tem sua base no neoliberalismo que visa unicamente o lucro e o acumulo de riquezas. A produção industrial tem como objetivo levar as pessoas a uma cultura de consumo a partir de um viés capitalista. René Padilla em seu “livro Missão Integral: O Reino de Deus e a Igreja” comenta:

“Os centros urbanos não somente servem como base de operação para as grandes indústrias: A própria existência delas depende de sistematização, da organização de toda a vida em função de produção e do consumo. Por isso a cidade, pouco a pouco, vai colocando todos os homens num molde que absolutiza as coisas porque são símbolos de status, um molde que não deixa lugar para questões relativas no sentido do trabalho nem ao propósito de vida. O atual sistema industrial está a serviço do capital e não do homem”. (PADILLA, 88p).

Por isso, é do outro lado, bem distante dos grandes centros e dos bairros elitizados que percebemos a extrema desigualdade social. Ao caminhar, ouvir e interagir com pessoas pobres na comunidade periférica de Jardim Progresso  (Zona Norte de Natal ),  onde atuamos em missão, percebemos essa realidade de forma encarnada. Não é difícil encontrar crianças descalças e desnutridas caminhando nas ruas sem saneamento básico, como no caso de alguns de nossos alunos que chagaram para fazer a matrícula com os pés empoeirados, adolescentes analfabetos e algumas já na condição de mãe solteira, homossexuais vítimas de violência, desempregados, pessoas com doenças graves e mães que choram a perda de seus filhos para o mundo do crime. Estes e muitos outros personagens da periferia são vítimas desta desigualdade extrema, são protagonistas em um contexto de pobreza e miséria.

Como cristãos não podemos deixar de dar uma resposta à questão da desigualdade social que esmaga os pobres. Uma resposta consistente e a partir de um viés bíblico. O abismo que separa pobres e ricos de forma tão extrema tem como causa a ausência da justiça entre a humanidade. Não é por menos que a Bíblia está repleta de textos que abordam de forma enfática esta temática. São mais de três mil referências sobre justiça e pobreza em sua maioria com um tom de denúncia e indignação da parte de Deus.

Os profetas hebraicos exerceram um papel de grande relevância na denúncia contra as riquezas que geraram pobreza em sua época. Como porta voz de Deus, os profetas traziam uma mensagem de arrependimento direcionada aos poderosos da religião, da política e da economia admoestando-os sobre a prática da opressão aos mais fracos. Havia uma preocupação especial com órfãos, viúvas, pobres e estrangeiros. Estes geralmente eram os que mais sofriam por causa da injustiça. (Pv.22.22; Jó.34.28; Sl.11.37; Sl.94.6; Dt.10.18; Ex.23.9; Mt.25.38).           

O acumulo de riquezas em detrimento da miséria do outro tem sua base na idolatria que por sua vez revela o “deus mamom” que se faz presente neste século. O mal está instalado nas grandes estruturas e não habita somente em uma dimensão pessoal. O mundo jazz no maligno e por isso há potestades dominadoras e opressora neste mundo presente. (Ef.6;12). 

Nas palavras de Jesus encontramos uma luz que nos faz entender na perspectiva do Evangelho a desigualdade social no mundo.  

"Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro". (Mt. 6:24). A dedicação e o amor ao dinheiro levam os acumuladores de bens a buscar mais riquezas aumentando as estatísticas de uma desigualdade social extrema.

Ainda no sermão do Monte Jesus advertiu seus discípulos:

"Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem, e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois onde estiver o seu tesouro, aí também estará o seu coração”. (Mat.6.19-21).

Todo tipo de exploração e opressão sempre vem de cima para baixo. Os poderosos detentores do poder, os acumuladores, os religiosos e os sistemas políticos, sociais e econômicos que atendem a uma minoria dominante e que exclui os que sofrem tem como fator motivador o amor ao dinheiro e o desejo de dominar por meio do poder. São os amantes de mamom.

Lamentavelmente uma parcela considerável dos evangélicos tem caminhado pelo viés da idolatria ao dinheiro contribuindo para o crescimento para uma desigualdade que gera miséria e pobreza. Líderes da religião que tem construído fortunas por meio da exploração da fé alheia, e o que é mais grave, acumulam estas riquezas em nome de Deus. Para estes mercadejastes da fé, ser prospero financeiramente equivale a ter fé em Deus ao passo que ser pobre, desqualifica o status de homem de Deus.

Dentro deste mesmo contexto de exploração, a idolatria de consumo que serve ao “deus mamom”, de forma gradativa tem se infiltrado no meio evangélico. Influenciados pelo neoliberalismo o que importa é ter, sem levar em conta a condição social e econômica dos outros. Ter sucesso nos negócios sem uma perspectiva comunitária, construir patrimônio para si mesmo, e consumir produtos para satisfazer seus desejos egoístas são algumas das marcas dos idólatras consumistas no contexto evangélico hoje.

Diante deste contexto de desigualdade, exploração e pobreza, como igreja os cristãos devem urgentemente levantar-se com voz profética. Não a voz da profecia dos “adivinhos do futuro”, mas a da denúncia contra o pecado da injustiça, da avareza, da idolatria e do consumismo egoísta. Lutar por políticas que busquem uma economia solidária que inclua os menos desfavorecidos e que não tenha como prioridade os grandes lucros e a exploração de mão de obra barata. Que possamos ouvir o Espírito de Deus e ao mesmo tempo o mundo com seus anseios, sofrimento e dor.  

Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.  





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