Marcos Aurélio dos Santos
Foi nos meados de abril de 1995
que conheci o pastor Egberto Sátiro, meu Paizinho na fé. Lembro-me que chegou
em minha casa na cidade de Currais Novos, (cidade da região do Seridó RN), em
uma bicicleta Monark de bom tempo de uso. Sujeito simples, teólogo, de região
sertaneja, de pequena estatura, que gostava de estudar e debater sobre texto
bíblicos, em especial o livro do Apocalipse. Suportou com paciência e amor
muitas das minhas meninices. Certo dia, com espírito de serviço e
solidariedade, se dispôs a pintar minha casa, o que me deixou feliz e ao mesmo
tempo perplexo por ver um pastor se dispor a um serviço de amor por suas
ovelhas. Coisa rara! Tinha o hábito de acolher os vizinhos, gente pobre pois
construiu sua casa em uma comunidade periférica da cidade. Sempre arranjava um
jeito de partilhar algo com eles. Sua esposa, nossa querida irmã Neinha, mulher
simples que por muita das vezes zelava do local de reuniões da igreja, o
acompanhava nas missões.
Egberto não media esforços para
gastar horas de seu tempo comigo e com outros Irmãos e irmãs estudando a
bíblia. Foram vários encontros em sua casa sentados em uma cadeira de balanço
ou deitados no piso da área, com a bíblia aberta, lendo os evangelhos e as
cartas, o que enchia meu coração de alegria. Haja paciência para me aturar pois
achava que sabia tudo! Contudo o que aprendi nessa experiência de caminhada de
pastor e ovelha, não se limitou a teologias ou estudos preliminares (aliás,
hoje divergimos em muitos pontos teológicos), mas a experiência de vida junto a
um pastor de vida simples, servo, como também um sindicalista que até hoje luta
pela causa dos trabalhadores e trabalhadoras da área saúde. Foi uma experiência
linda e marcante para nossa caminhada cristã. Essa experiência nos caminhos da
simplicidade e do servir, dá uma base concreta para fazer algumas críticas
necessárias às formas e atuações de lideranças dominantes nas igrejas
evangélicas no Brasil hoje.
É preciso denunciar, pois o
silencio está do lado da injustiça! É preciso dizer que a igreja evangélica
hoje vive uma crise aguda no seu pastorado. Muitos pastores (não todos), se
aliaram aos poderes de dominação e opressão para satisfazer seus desejos e
interesses egoístas. Decidiram por não imitar o pastor das ovelhas, o servo
sofredor e humilde, Jesus de Nazaré, o sumo pastor (Leia Fp. 2. 5-8). Em vez de
atentarem para o serviço de amor e cuidado pelas ovelhas, preferem se aliar aos
poderes do estado e do clero, sustentando assim as cadeiras de poder que mais
servem para titular os coronéis da religião, do que para uma demonstração
prática do Evangelho de Jesus. Os Malafaias, Felicianos e Macedos estão
espalhados por diversas denominações, reproduzindo um modelo de liderança
opressora que oprime o povo por meio de uma alienação pautada em um discurso
legalista que arrastam seus seguidores para os palcos da alienação, ostentação,
vaidade e avareza.
Como fiéis adeptos do
fundamentalismo religioso (não necessariamente neopentecostais) muitos pastores
têm se aliado as forças políticas de extrema direita para legitimar o domínio e
opressão. Deixaram os ensinos do evangelho de Jesus para se unir aos poderes de
repressão fascista representado principalmente pelo candidato presidenciável
Jair Messias Bolsonaro. A simplicidade do Evangelho, o serviço pastoral, o
cuidado com os pobres, a luta pelos trabalhadores e trabalhadoras e o
apascentar das ovelhas foi engolido pelo desejo de dominação das massas por
meio de uma opressão alienante e excludente.
As forças ultraconservadoras no
meio evangélico não estão dispostas a mudanças. Isto porque o que interessa
para tais pastores é a manutenção da dominação das massas, pois estas são quem
sustentam o poder por meio de suas contribuições financeiras (dízimos e
ofertas). Em forma de barganha, oferecem em troca a prosperidade material e
cobertura espiritual contra os males desta vida. É uma moeda de troca que tem sustentado
a manutenção nas relações de poder entre o clero evangélico e os leigos.
O exemplo de simplicidade,
solidariedade e serviço do pastorado de Egberto Sátiro, sua vida e ministério,
como também de alguns outros pastores que conheci nestes vinte e quatro anos de
caminhada cristã, nos anima e encoraja a continuar na luta por um mundo melhor,
por uma vida simples, pelo amor às ovelhas de Jesus, pela busca da justiça do
reino de Deus. Urge viver uma espiritualidade integral e libertadora que
priorize a vida, o amor e a fraternidade. O retorno da profecia certamente é a
única resposta concreta para a crise pastoral em que vive a igreja brasileira.
Que o Deus Javé levante gente com profecia, com voz de denuncia, que não se
calem diante da injustiça e da opressão. É preciso ouvir com compaixão a voz do
pastor que disse:
“Disse-lhe terceira vez: Simão,
filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez:
Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe:
Apascenta as minhas ovelhas” (João. 21.17).
Sobre o Autor: Marcos
Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de
Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito
em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.
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